"Se você não simpatiza com quem sofre, a sua humanidade está em xeque"

Guido Melo

Guideo Melo reflects on racism against African Brazilians in Australia and how it's different from his experiences of racism in Brazil. Source: Supplied

Conversamos com o escritor e empresário afro-brasileiro Guido Melo, que divulga o grupo "Afro-resistência na Austrália", para brasileiros de origem negra que imigraram ao país


Uma pesquisa do diário The Guardian revelou que a maioria dos australianos acredita na existência de racismo institucional nas polícias dos Estados Unidos.

Ao mesmo tempo, apenas 30% crê haver racismo institucional nas polícias australianas.

Do outro lado do mundo, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatisticas, o IBGE, foram registrados 255 mil assassinatos de negros entre 2012 e 2017 no país. Um negro brasileiro tem 2.7 vezes mais chances de ser assassinado do que um branco.

Enquanto esta matéria era finalizada, a zona sul de São Paulo vivia protestos populares e cinco ônibus foram incendiados por conta do assassinato de um adolescente de 15 anos. Os manifestantes acusam a polícia.

Em um tempo no qual se discute como poucas vezes a questão do racismo, discussão incendiada pela morte de George Floyd nos Estados Unidos, sufocado por policiais de Minneapolis, conversamos com o escritor e empresário afro-brasileiro Guido Melo, que vive em Melbourne.
Guido, que é natural de Salvador, como escritor , onde conta a experiência de ser negro em um país de maioria branca de origem europeia.

Aos 43 anos de vida, 17 dos quais na Austrália, ele sabe bem as diferenças e semelhanças do racismo entre os dois países. Guido Melo acredita ser impossível dissociar a desigualdade social do problema do racismo.  

"As diferenças são as diferenças da sociedade. O racismo é perverso onde quer que aconteça, e de que forma aconteça. Só que uma sociedade mais pobre, com uma menor divisão de renda, ela vai ser naturalmente mais violenta e mais reativa à situação que ela vive. Eu acredito que se a Austrália tivesse também essa desigualdade social e econômica, a violência aconteceria aqui em maior número. Indígenas australianos que são negros morrem da mesma forma que negros brasileiros morrem, inclusive proporcionalmente o número de negros indígenas presos aqui é gigantesco, comparado ao número da população não-negra europeia daqui.

É impossivel comparar, porque não está comparando a sociedade. Como a sociedade australiana é da OCDE, desenvolvida economicamente com bilhões de dólares na economia, você tem uma sociedade mais igualitária, e consequentemente o racismo não afeta nossas vida todos os dias como afeta no Brasil. Mas o que afeta é a diferença econômica que se aí se transmite no racismo. O ódio racial brasileiro vem dessa situação também criada por causa da economia.

E é importante salientar no caso do Brasil que o Brasil foi um país escravocrata. A elite brasileira, todos os brancos brasileiros, são beneficiários diretos da exploração de um outro povo, então é uma elite que não sabe, que nunca aprendeu a trabalhar com as próprias mãos e fazer seus próprios caminhos. E até hoje vive nessa muleta, vive nessa dependência do trabalho mal remunerado dos brasileiros negros e pobres."


Guido Melo enxerga racismo na polícia australiana porque esta é um reflexo de uma sociedade criada em parâmetros do branco europeu, que nem sempre consegue discernir quando está sendo preconceituosa em relação a uma cultura diferente.

 "A polícia australiana é parte da sociedade australiana, e assim tem inerente dentro dela atitudes racistas. O australiano que cresce num país de supremacia branca e cresce doutrinado por ideias de supremacia branca não consegue talvez nem discernir que está tendo atitudes preconceituosas quando ele encontra povos de culturas não-brancas, não europeias. A polícia australiana é racista sim, assim como toda a sociedade é. E isso é uma coisa que só vai ser resolvida quando for encarada de frente. A sociedade branca tem que resolver esse problema com ela pra que isso deixe de acontecer."
Guido Melo é parte de uma comunidade de afro-brasileiros que vive na Austrália e que está organizada nas redes sociais para trocar experiências. O grupo, chamado de "Afro-Resistência na Austrália" está  presente no Whatsapp e no Facebook.

"O 'Afro-resistência na Austrália', que é um grupo de Facebook e Whatsapp social de afro-brasileiros vivendo na Austrália, é um grupo criado por uma pessoa chamada Kiki, uma mulher negra do Rio Grande do Sul. Ela criou esse grupo com o objetivo de dividir experiências. É um grupo que tido um sucesso enorme, e é importante salientar porque pessoas brancas podem estar ouvindo e se perguntando do por que esse grupo existe.  Porque a experiência do negro brasileiro na Austrália é completamente diferente da experiência do branco brasileiro. Assim como do asiático brasileiro, mas aí é uma coisa que eles têm que resolver entre eles e se identificarem como tal. Mas o Afro-Resistência foi criado com esse objetivo de dividir experiências específicas que só acontecem com pessoas negras, e unir forças, trocar experiências pra conseguir bons resultados em cima disso."

A discussão sobre racismo no Brasil foi politizada ao extremo nos últimos anos. A Fundação Palmares, primeira instituição pública brasileira voltada para a promoção e preservação dos valores da influência negra na sociedade, tem como presidente Sergio Camargo, um negro bastante crítico dos movimentos identitários afro-descendentes, e que foi nomeado pelo presidente Jair Bolsonaro. A visão de que o racismo é leve no Brasil reverbera entre muitos descendentes no país. 

Guido ressaltar ser importante respeitar quem pensa diferente, mesmo discordando frontalmente.
 
"O princípio da minha humanidade é minha independência como ser humano.  Eu posso fazer, escolher e decidir o que eu quero. Quando um negro se posiciona contra a identidade afro-brasileiro ou contra as cotas raciais, por exemplo, ele está exercendo sua humanidade, o seu desejo de ser quem ele deseja ser. A crítica a essa pessoa não pode ser uma crítica porque ele é negro. Eu discordo dela ideologicamente como ser humano. Acho que suas visões estão equivocadas, e há até razões psicológicas do subconsciente, Frantz Fanon e Carl Jung explicam em seus livros (respectivamente, 'Pele Negra, Máscara Branca' e 'O Homem e Seus Símbolos'), que essa pessoa lidar, e tratar e cuidar. Porém, essa humanidade, esse direito do negro escolher sua posição política, é um básico direito do ser humano. Eu não posso criticá-lo por ser negro e se posicionar diferente. Ele tem esse direito de infelizmente discordar da minha posição política. Porém, é o básico da humanidade."
Toda a discussão sobre o Black Lives Matter faz com que muitos brancos, no Brasil e na Austrália, se debrucem sobre o tema do racismo. Guido acredita que o apoio de euro-descendentes a movimentos negros é um apoio à própria humanidade de cada um.

"O que está em xeque não é minha humanidade como negro, é a humanidade dos brancos como brancos. Se você não simpatiza com outro ser humano que está sofrendo e quer dignidade em sua vida, a sua humanidade está em xeque. Então é muito importante que o branco entenda que quando ele se levanta pra apoiar um movimento negro, ele se levanta para apoiar a própria humanidade dele.

Na prática, isso é talvez discutir com outros brancos, seus familiares, seus irmãos, primos, pais, avós, que todo e qualquer preconceito é desumano. E no momento que eles façam esses comentários e têm esses pensamentos, a humanidade deles está se perdendo. Esta é forma que o branco pode ajudar, conversando com seus pares e tentando demonstrar que os desumanos são vocês por não conseguirem enxergar em mim a minha humanidade." 

As pessoas na Austrália devem ficar pelo menos a um metro e meio de distância dos outros. Confira os limites no seu estado ou território para o número máximo de pessoas em encontros e reuniões.


Os testes para o coronavírus estão agora amplamente disponíveis em toda a Austrália. Se você  tem sintomas de resfriado ou de gripe, organize um teste ligando para o seu médico ou para a Linha Direta Nacional do Coronavírus no número 1800 020 080.


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