A crise do gás faz apagar os fornos onde é feito o vidro de Murano

Murano Glass

Tradicionais vidros de Murano estão ameaçados com a alta no preço do gás. Source: FRED TANNEAU/AFP via Getty Images

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Preço do gás subiu 400% em 6 meses e ameaça tradicional produção de vidro de Murano. Confira na crônica desta semana do correspondente do Programa Português da Rádio SBS em Lisboa, Francisco Sena Santos.


A fama deles chega a todo o lado, são os artesãos do delicadíssimo vidro de Murano.

Murano é uma pequena ilha na laguna a uns 2 km de Veneza, em Itália.

Vivem em Murano umas 5 mil pessoas.

Quase todas, ligadas à arte de trabalhar o vidro ou então à indústria turística ligada ao mercado daquelas peças que são sofisticadas filigranas em vidro - copos, taças, jarras, fruteiras, candelabros, tantas formas, com cores que podem ser sumptuosas, estonteantes, às vezes até parece que psicadélicas, às vezes com uma dose de “kitsch”.
Está na tradição que uma recordação de uma viagem a Veneza passe por uma peça em vidro de Murano.

Há-as para todos os gostos e preços, de 3 euros a muitos milhares.
As mais caras são as que saem das fábricas de dinastias com grandes mestres do vidro.

Quando se viaja de Vaporetto – uns 10 minutos – de Veneza até Murano, aparecem salpicadas ao longo da laguna sofisticadas mansões – uma é toda uma ilhota – depois, no aproximar a Murano, avistam-se na ilha enormes armazéns – parecem abandonados – são as fábricas com os colossais fornos onde nos últimos 8 séculos, a temperaturas acima de 1000 graus centígrados é  criado o artesanato de vidro de Murano.

E um ofício que nas últimas décadas ficou mito turistificado.

Mas continua a haver grandes mestres com técnica apurada para através de um tubo soprar o vidro que entrou no forno mesclado com cristais vários – do cobalto à platina e ao ouro em filamentos – e assim conseguirem formas que refletem a arte do criador que nos é revelada com as tais cores que surpreendem.

Esta técnica de trabalhar o vidro vem da Mesopotâmia antiga, no tempo antes de Cristo – os mercadores levaram-na para Veneza, mas os frequentes incêndios levaram Tieppolo, um dos doges – soberanos de Veneza escolhidos pla aristocracia – a, em 1229, “deportar” os vidreiros e com eles as fábricas com os enormes fornos para a ilha de Murano – suficientemente longe, mas perto na laguna.

Os fornos de Murano estão ativos, dia e noite, há séculos resistiram a crises económicas, resistiram às guerras. Não foram desligados nem mesmo nas semanas mais desesperantes da pandemia.
Mas agora – relatam os diários La Repubblica e Corriere della Sera – a maior parte dos 60 maiores fornos de Murano ou já está desligada  ou está em vias de também ser apagada.
Porquê?

Porque o carburante que faz mover o motor da vida de Murano está com subida de preço de 400% em 6 meses.

A fatura do gás que em setembro rondava os 2 milhões de euros, no final de janeiro subiu para 8 milhões.

Assim não é viável.

A peça em que no verão passado era vendida nas lojas de Veneza a 100 euros não pode passar agora para 400.

Designers de arte contemporânea estavam a juntar-se aos mestres vidreiros de Murano, e também estão a desistir.

Um deles, português, comenta: "muita gente está alarmada com a ameaça de guerra em volta da Ucrânia, mas há guerra e muito destrutiva já em curso, é a que resulta de meia Europa depender do gás russo – que já está a ser usado nesta guerra".

Os 130 mil soldados russos em volta da Ucrânia servem para alimentar pressão, mas na falta de diversificação de fontes energéticas, o gás (o abastecimento de energia) é uma arma poderosa que o estratego Putin já está a usar.

Está a fechar fábricas em Murano, mas também a ameaçar fevereiro gélido em muitas casa da Europa Central.


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