Positividade tóxica: “Se a gente não se permite uma experiência negativa, mais tarde isso pode vir à tona em forma de ansiedade ou depressão”, diz psicoterapeuta

Angel Lopes

A psicoterapeuta brasileira Angel Lopes, que mora e atua em Perth, diz que as redes sociais podem ser fonte de positividade tóxica e que é preciso saber usá-las Source: Supplied

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Other ways to listen

Angel Lopes, psicoterapeuta brasileira que mora e atua profissionalmente em Perth, define a positividade tóxica como “um olhar otimista em excesso que negligencia uma situação adversa e silencia uma experiência humana de frustração ou tristeza”. Segundo ela, as redes sociais podem ser fontes desse tipo de positividade.


A imposição do pensamento positivo como única solução para os problemas, negando ou evitando as emoções negativas, é chamada de positividade tóxica.

Segundo um artigo acadêmico publicado em maio de 2021 pela Associação Nacional de Educação dos Estados Unidos, a positividade tóxica pode tornar as emoções negativas ainda mais fortes, já que quando uma pessoa se sente na obrigação de ser otimista e não consegue, a tendência é de que ela enfrente uma sensação de fracasso.

Quando somamos a isso o fato de que algumas redes sociais se tornaram vitrines de vidas que parecem ser perfeitas nas fotos e publicações, nos deparamos com muitos usuários dessas redes acreditando que precisam estar felizes, equilibrados e ser bem-sucedidos o tempo todo, em tudo o que fazem. Mas será que isso é possível?

O que é positividade tóxica?

A psicoterapeuta brasileira Angel Lopes, que mora e atua há nove anos em Perth, na Austrália, explica que positividade tóxica é quando temos a ideia de que precisamos ser sempre otimistas, resilientes e ter na nossa cabeça um pensamento positivo para nos ajudar nas mais diversas situações.

“Quando falamos de uma atitude tóxica junto à positividade, existe um olhar otimista em excesso que negligencia uma situação adversa, uma dificuldade. A positividade é tóxica quando silencia uma experiência humana de frustração, tristeza, decepção”.
Se trata de um olhar otimista em excesso que negligencia uma dificuldade. A positividade é tóxica quando silencia uma experiência humana de frustração, tristeza ou decepção.
Angel completa: “ela é tóxica no sentido de que ao invés da gente poder acolher esse sentimento e entender que isso faz parte e que muitas vezes é adequado à situação que estamos vivendo, a gente não se permite sentir essa negatividade”.

Ela ainda explica que na psicologia isso é chamado de ‘distorção cognitiva’, pensamentos que não funcionam muito bem. “É uma espécie de tudo ou nada. Ou eu sou positiva em absolutamente tudo, não posso ter nenhum pensamento ou sentimento negativo, ou então eu sou um fracasso”.
É uma espécie de tudo ou nada. Ou eu sou positiva em absolutamente tudo, não posso ter nenhum pensamento ou sentimento negativo, ou então eu sou um fracasso.
Educação emocional

Angel destaca a importância da educação emocional, que segundo ela já é tratada em programas escolares na Austrália para crianças desde a fase pré-primária, no sentido de que todos entendam que existe uma gama de sentimentos que são normais, que não tem como não senti-los no decorrer da vida.

“Quando a gente não se permite essa experiência negativa, alguns estudos já tem sugerido que um pouco mais tarde esses sentimentos vão vir à tona possivelmente em forma de ansiedade, depressão, raiva. A gente vai acabar sentindo”.
Quando a gente não se permite uma experiência negativa, mais tarde esse sentimento vai vir à tona possivelmente em forma de ansiedade, depressão, raiva.
Ela diz que a consequência negativa quando acumulamos e silenciamos esse tipo de sentimento, é viver isso de uma forma muito intensa mais tarde, talvez sem entender de onde vem esse sentimento.

Além disso, Angel destaca que quando queremos eliminar pensamentos ou sentimentos negativos, fazemos um esforço emocional muito grande para evitar e resistir a eles. “Talvez a melhor forma de lidar com eles seja um caminho de aceitação e autocompaixão”.

A positividade tóxica, segundo Angel, pode ser algo mais complexo do que imaginamos, já que pode ser difícil associar o pensamento positivo a algo ruim. Atitudes positivas são sinônimos, na teoria, de fortalecimento.

As consequências de negar um sentimento

Mas ela diz que estudos mostram que quando fazemos um esforço no sentido de ‘fingir’ que algo negativo, incômodo, ou até mesmo extremo, de abuso por exemplo, está acontecendo nas nossas vidas, nós não vivemos a situação de forma real, legítima, e não buscamos resolvê-la para sair dela.

“As pessoas tem em mente que tem que ser fortes o tempo todo. Mas em algumas situações nós não temos que ser fortes. Temos que passar por elas e, se for necessário, pedir ajuda para buscar uma solução”.
As pessoas tem em mente que tem que ser fortes o tempo todo. Mas em algumas situações nós não temos que ser fortes. Temos que passar por elas e, se for necessário, pedir ajuda.
Angel também chama a atenção de que o mais ‘perigoso’ da positividade tóxica é ela “reforçar o estigma que faz com que as pessoas não procurem ajuda psicológica, psiquiátrica ou mesmo médica, ao levar a pessoa a pensar por exemplo que tem gente em situação pior que ela e que por isso ela pode sair dessa sozinha”.

A positividade tóxica nas redes sociais

Sobre a relação das redes sociais com a positividade tóxica, Angel lembra que essas redes se tratam de um ‘recorte’ da nossa vida, onde muitos não vão querer publicar coisas neutras ou negativas.

“Se falarmos mais especificamente do Instagram do Facebook, são redes onde as pessoas dividem momentos interessantes, imagens bonitas, usam filtros nas publicações. É a vida mostrada de um jeito para gerar mais curtidas, comentários e engajamento”.

Sobre como consumir o conteúdo das redes sociais de forma que não sejamos afetados de forma negativa por esse conteúdo, Angel alerta para o seguinte: “as pessoas devem entender que se trata de um recorte, e não devem entrar num estado de comparação como se aquele recorte fossem as 24 horas da vida de uma pessoa. Todos temos ‘recortes’nas nossas vidas”.
É preciso entender que o conteúdo das redes sociais é um recorte. Não se deve entrar num estado de comparação como se aquele recorte fossem as 24 horas da vida de uma pessoa.
Angel lembra que há estudos que comprovam que quando não estamos nos sentindo muito bem, com o humor mais ‘pra baixo’ ou nos sentindo ansiosos, se acessamos as redes sociais, a tendência é que nosso estado emocional piore.

Autorresponsabilidade emocional

Para que isso não aconteça, Angel sugere que se use a autorresponsabilidade emocional, que é você se informar e se educar sobre o que funciona para você.

Em vez de reclamar do que as pessoas publicam ou da forma como publicam, devemos saber que tipo de conteúdo e por quanto tempo podemos acessar, e assim limitar a positividade tóxica.
Temos que nos olhar e perguntar se algo funciona para nós, o que nos deixa tristes e se devemos mesmo nos frustrar diante de determinadas coisas.
Angel diz que seguir perfis que nos inspiram pode ser bom. E completa: “Não devemos pensar se algo é certo ou errado. Para sentimentos não existe isso, a gente simplesmente sente, reage, praticamente não tem controle. Então devemos nos olhar e perguntar se algo funciona para nós, o que nos deixa tristes e se devemos mesmo nos frustrar diante de determinadas coisas”.


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