Pesquisador luso-francês Bruno Simões lidera estudo pioneiro sobre a evolução da visão das cobras na Austrália

Bruno Simoes

Source: Supplied

Professor da Escola de Ciências Biológicas da Universidade de Adelaide, o Dr. Bruno Simões liderou um projeto pioneiro no estudo da evolução da visão das cobras marinhas. Ele falou com a SBS em Português da cidade de Plymouth, na Inglaterra, onde está residindo no momento.


Publicado na revista , o estudo é uma colaboração internacional liderada pela Universidade de Adelaide envolvendo cientistas do Reino Unido, Austrália, Dinamarca, Bangladesh e Canadá.

A pesquisa sugere que a visão das cobras marinhas foi modificada geneticamente ao longo de milhões de gerações, auxiliando na adaptação a novos ambientes. O estudo também revelou que as cobras estão enxergando melhor as presas - e os predadores - bem abaixo da superfície do mar.
Veja abaixo os principais trechos da entrevista. 

Olá Bruno tudo bem? Antes de falarmos do seu projeto, fale um pouco sobre a sua jornada até aqui na Austrália?
Eu na verdade sou um luso-descendente (filho de pais portugueses mas nascido em França) mas vivi muito da minha vida no norte de Portugal. Durante o meu Pós-doutorado no Museu de História Natural de Londres eu vim fazer trabalho de campo na Austrália e fiquei também a trabalhar durantes 3 meses nos laboratórios de colaboradores na University of Western Australia em Perth. Foi durante o trabalho de campo que eu ganhei uma uma bolsa individual de pesquisa (fellowship) da União Europeia. E essa bolsa envolvia uma pesquisa de dois anos na Austrália trabalhando na Universidade de Adelaide.

Porque resolveu estudar a vida marinha e mais especificamente a evolução na visão das cobras marinhas?  
Eu tenho um doutorado em visão em morcegos e mamíferos e quando acabei o doutorado eu concorri a uma posição de Pós-doutorado no Museu de História Natural de Londres num  projeto novo em visão em cobras. Trabalhar no Museu de História Natural de Londres era um sonho que eu tinha e o projeto pareceu-me bom.
Bruno Simoes
Bruno Simões: "Pesquisa importante para estudarmos como as populações de cobras marinhas se diversificaram e como poderão ser protegidas" Source: Supplied
O que se sabia sobre a visão das cobras  e o que o seu estudo revelou?
Havia muito pouca informação na altura, apenas havia um artigo científico tinha sido publicado na parte molecular. Havia algum trabalho a nível da anatomia de olho e da retina nos anos 60 e uns estudos de microscopia nos anos 90.

A maioria destes estudos era em Boas e Pitões e havia muito pouco sobre a visão em outras linhagens de cobras.

Agora sabe-se mais, e sabe-se que a maioria das cobras têm o mesmo tipo de visão que os mamíferos, mas que algumas embora não tenham a mesma percepção de cor que os humanos tem sistemas visuais muito desenvolvidos.

Porque essa pesquisa é tão importante? No que isso pode ajudar no nosso conhecimento sobre as cobras?  

O estudo da visão é central para perceber como animais evoluíram e é fundamental para a sobrevivência e reprodução das espécies. Na verdade a maioria dos estudos estava sendo feita em mamíferos e aves o que deixava uma parte importante da diversidade dos vertebrados pouco estudada e o conhecimento desta área incompleto.

O estudos de visão esclarecem como as cobras evoluíram, com um dos meus artigos focando na origem das cobras, mas também permite perceber o seu comportamento e como mudanças nos seus habitats poderão ter impacto na sobrevivência das suas espécies no futuro.

A evolução da visão em cobras tem semelhanças com a evolução da visão em mamíferos e primatas e muitas desenvolveram sistemas visuais sofisticados.
Bruno Simoes
Bruno e a coleta de cobras marinhas: "A primeira vez que encontrei este polimorfismo nas cobras foi numa cobra coletada no Brasil (Helicops angulatus)" Source: Supplied

No que isso pode auxiliar a vida marinha?
O estudo publicado na Current Biology mostra um novo modo de evolução visual relativamente à vida no oceano, mas agora levanta questões de como as populações organizam indivíduos com melhores capacidades visuais. Por outro lado, será importante para perceber como as populações de cobras marinhas se diversificaram e como poderão ser protegidas.

A primeira vez que encontrei este polimorfismo (as duas cópias da opsina em cada um dos cromossomas são sensíveis a diferentes comprimentos de onda) foi numa cobra coletada no Brasil (Helicops angulatus) pelo que acho que estas características estejam presentes em mais espécies de cobras aquáticas.
cobras marinhas by shawn miller
A evolução da visão em cobras marinhas tem semelhanças com a evolução da visão em mamíferos e primatas e muitas desenvolveram sistemas visuais sofisticados Source: Shawn M Miller
Quais os próximos passos?
Agora que sabemos do mecanismo temos de descobri quanto comum este polimorfismo é e de que maneira altera como as cobras veem o seu mundo. Teremos também de estudar como as populações se organizam com indivíduos com melhores capacidades visuais, quais são as alterações no seu comportamento e se este polimorfismo está associado a habitats. E preciso também olhar para outras espécies semi-aquaticas e ver se este mecanismo universal ou apenas presente em Elapidios marinhos.  

A visão e cores é baseada em pigmentos visuais que consistem numa proteína (uma opsina) associada a um retinal (derivado de uma vitamina A). A opsina está codificada em um gene presente no DNA destes animais, assim percerbemos como estes animais produzem estes pigmentos visuais. É também possível, olhando para a estrutura da opsina, que tipo de  luz e comprimento de onda (e como todas as cores têm um comprimento de onda específico) as cobras podem detectar. Usamos microscopia para perceber como o olho e a retina evoluíram.
Porque esse tópico envolveu universidades e parceiros internacionais?
A ciência é normalmente feita por equipes e no meu caso eu uso métodos multidisciplinares que tinha de aprender e usar. Depois é necessário ter acesso a amostras e ir para o campo com investigadores que conheçam bem a área e onde encontrar estes animais. Por isso sempre envolvi vários pesquisadores de várias partes do mundo incluindo o Brasil. Na verdade passei 3 meses a trabalhar no Instituto Butantã em São Paulo para um dos meus projetos.

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