Opinião dos refugiados na Austrália, quanto ao acolhimento prioritário dos ucranianos

Ucranianos à saída da cidade de Bucha, Ucrânia, num autocarro humanitário, no dia 03 April 2022.

Ucranianos à saída da cidade de Bucha, Ucrânia, num autocarro humanitário, no dia 03 April 2022. Source: EPA

A oferta de refúgio seguro para os ucranianos na Austrália foi bem recebida pelas comunidades de refugiados que já cá estão. Contudo, alguns acreditam que a prioridade deve ser dada a todos os que procuram asilo, independentemente do conflito do qual estejam a fugir.


Mais de 4 milhões de pessoas fugiram da Ucrânia desde que as forças russas começaram a sua ofensiva no final de fevereiro, naquela que já é uma das piores crises de refugiados do mundo.

Em resposta a esta crise, o governo australiano anunciou em março que daria prioridade ao, uma decisão que mantém até à data.

Desde 23 de fevereiro, mais de 6.000 vistos temporários foram concedidos a ucranianos no país, e centenas a outros ucranianos dispersos por outros locais.

Na primeira semana de abril, mais de 1.700 destes portadores de visto chegaram à Austrália, de acordo com o Departamento de Assuntos Internos.
Evacuees from Mykolayiv find temporary shelter at the station upon their arrival to Odesa, southern Ukraine on March 29, 2021
Evacuees from Mykolayiv find temporary shelter at the station upon their arrival to Odesa, southern Ukraine on March 29, 2021 Source: ABACA
Aos refugiados ucranianos que chegam à Austrália será oferecido um visto humanitário temporário de três anos, com acesso à Medicare e com a possibilidade de trabalhar e estudar.

"O departamento fornecerá mais aconselhamento no apoio à transição de ucranianos elegíveis e interessados ​​em visto Temporário (Humanitarian Concern) no devido tempo"

disse um porta-voz dos Assuntos Internos, que ainda acrescentou:
Além disso, o governo trabalhará em estreita colaboração com a comunidade ucraniana para garantir que as opções de visto permanente sejam disponibilizadas a este grupo no momento apropriado
Guerra é guerra e os civis estão a sofrer

Estas alternativas são as mais recentemente oferecidas pelo governo australiano em função dos eventos globais das últimas décadas, incluindo as guerras no Iraque e no Afeganistão.

Isto ocorre num ambiente de críticas contínuas à política do país na questão da detenção offshore para aqueles que chegam de barco, que obrigou muitos requerentes de asilo a passarem anos das suas vidas em instalações de imigração em Nauru e na ilha de Manus, alguns dos quais foram, 

O produtor executivo da SBS Pashto, Abdullah Alikhil, trabalhava como jornalista no Afeganistão antes de fugir do país devido à guerra, chegando à Austrália como refugiado em 2012.

Alikhil disse que há semelhanças e diferenças nas respostas da Austrália aos conflitos no Afeganistão e na Ucrânia:
Como afegão, passei pela mesma situação ao longo dos anos e sei bem o quão horrível e muito desumano tudo isto é
“Comparando as guerras do Afeganistão e da Ucrânia, digo que vai tudo dar ao mesmo. Politicamente até pode ser diferente, mas guerra é guerra e os civis sofrem todos da mesma forma.”
Australian troops board an evacuation flight in the Karmisan Valley, Uruzgan province, 2011.
Australian troops board an evacuation flight in the Karmisan Valley, Uruzgan province, 2011. Source: ADF
O acolhimento humanitário da Austrália no caso do Afeganistão não teve uma abordagem uniforme durante as duas décadas de guerra no país, disse Alikhil, apontando para uma disparidade no processo de entrada no país no programa introduzido por Canberra para oferecer opções de visto aos funcionários afegãos já considerados localmente engajados (os chamados LEEs) por terem servido ao lado das forças australianas.

Alikhil disse que houve casos em que os LEEs esperaram anos por uma resposta do governo australiano em relação ao seu status de migração, um processo que mais tarde recebeu prioridade à medida que o nível de ameaça crescia nas semanas antes dos Talibãs invadirem o Afeganistão, em meados de 2021 e nos meses seguintes.
Conflict-hit Somalia ranks among the world's most vulnerable nations to climate change, and is in the midst of a crippling drought.
Conflict-hit Somalia ranks among the world's most vulnerable nations to climate change, and is in the midst of a crippling drought. Source: AP
No Orçamento Federal de 29 de março, o governo anunciou que a entrada humanitária da Austrália permanecerá nos 13.750, enquanto fornece separadamente 16.500 vagas para cidadãos afegãos ao longo de quatro anos, até 2022-23.

Um porta-voz de Assuntos Internos disse que a resposta do governo à situação no Afeganistão oferece uma "opção de situação permanente na Austrália".

"Em comparação, o visto Temporary Humanitarian Concern (subclasse 786) oferece aos cidadãos ucranianos um visto temporário de três anos, garantindo que eles recebam o apoio adequado para viverem na Austrália enquanto estiverem cá, durante este período de maior instabilidade", disse o departamento, que ainda foi mais longe:
Entre 21 de março de 2020 e 28 de fevereiro de 2022, mais de 5.166 refugiados Classe XB e portadores de vistos humanitários chegaram à Austrália pela primeira vez
O porta-voz acrescentou que o departamento continua a "dar prioridade" aos afegãos que apresentaram pedidos de visto de família, acrescentando ainda que uma equipa especializada foi criada para processar o maior número de casos no primeiro trimestre de 2021-22.

Até 25 de março, foram concedidos 1.097 vistos de família, incluindo 1.034 vistos de First Stage Partner e de Prospective Marriage, o que representa o mínimo de 5.000 vistos a serem aceites nos próximos quatro anos.

Alikhil disse que a comunidade afegã na Austrália saudou a notícia da entrada dos ucranianos:
A resposta deveria ter sido assim, deveria ter sido igualmente aberta. A Austrália deve acolher muitos ucranianos no sentido de estes obterem um caminho seguro para deixar o conflito
Alikhil reforçou ainda o seguinte:

“Como afegão, a definição de refugiado é uma definição universal. Uma definição universal não deve ter limites e não deve discriminar. Pelo contrário, deve ser aplicada igualmente em todo o mundo, independentemente do país, etnia e cor.”

Todas as pessoas que estão a fugir de guerras devem receber apoio e segurança

Os refugiados Somália têm chegado à Austrália ao longo dos últimos mais de 30 anos, atingindo o pico do seu fluxo nos anos que se seguiram ao início da guerra civil deste país africano, em 1991.

O produtor executivo da SBS Somali, Hassan Jama, acredita que os refugiados e requerentes de asilo devem receber segurança, não importa o conflito do qual estejam a fugir:
Existe um entendimento universal de que os ucranianos estão a passar por uma terrível devastação no seu país. Há uma guerra a acontecer e todos podemos vê-la nas televisões de nossas casas
Salienta Jama, que também acrescenta:

“As pessoas que estão a fugir desta guerra ou de qualquer outra guerra precisam de ser apoiadas e acolhidas neste país, e devem receber toda a segurança e proteção. Acho que o anúncio do governo australiano de que acolherá refugiados da Ucrânia é geralmente bem-vindo e todos concordam com esta decisão.”
Evacuees from Mykolayiv find temporary shelter at the station upon their arrival to Odesa, southern Ukraine on March 29, 2021
Evacuees from Mykolayiv find temporary shelter at the station upon their arrival to Odesa, southern Ukraine on March 29, 2021 Source: ABACA
Jama aponta para os muitos casos em todo o mundo onde as pessoas estão a fugir de conflitos, governos repressivos e de perseguições de toda a espécie:
Toda a gente que está a fugir de guerras deve receber apoio e segurança de todos os países, incluindo a Austrália. Toda a política australiana relativa à situação dos refugiados deve ser baseada na necessidade do refugiado, e não no local de onde o refugiado é proveniente
O porta-voz de Assuntos Internos disse:

“O Programa Humanitário da Austrália foi projetado para fornecer acolhimento permanente a refugiados e pessoas sujeitas a perseguição, discriminação substancial ou danos significativos”.
Cada requerimento de visto é considerado pelo seu mérito individual, usando informações atuais e abrangentes sobre as circunstâncias do país em questão
acrescentou o porta-voz.

Impactos da guerra no Iraque

O produtor da SBS Arabic24, Saleem Al-Fahad, chegou à Austrália como refugiado do Iraque em 2012.

Diz ele que a crise ucraniana evoca fortes sentimentos entre os membros da comunidade iraquiana australiana, muitos dos quais fugiram do conflito na sua terra natal.

“Uma guerra é uma guerra. É claro que um dos resultados da guerra são as crises, muitas pessoas serão forçadas a deixar suas casas, algumas delas são obrigadas a evacuar os seus países, outras procuram outras soluções, e isso vale tanto para o Iraque e Ucrânia”

Diz Al-Fahad, que reforça de seguida:

“A comunidade iraquiana aqui na Austrália recordou o seu sofrimento, que foi idêntico, perante as imagens da guerra na Ucrânia. E, na verdade, apoiamos o povo ucraniano. Em termos desta crise e em termos das dificuldades humanitárias após a guerra, os iraquianos sabem exatamente no que é que uma guerra assim resulta.”

Em setembro de 2015, o governo federal anunciou que acolheria mais 12.000 pessoas deslocadas pelo conflito na Síria e no Iraque, além daquelas que também receberam vistos dentro do programa humanitário da Austrália.

Entre as minorias que fugiram do Iraque devido ao conflito estavam os Yazidis de língua curda.

Em 2014, militantes do grupo do Estado Islâmico invadiram partes do norte do Iraque onde o povo Yazidi viveu durante séculos.

Muitos foram mantidos em cativeiro e mortos, enquanto outros fugiram.

A produtora executiva da SBS Curda, May Khalil, disse que os refugiados Yazidis têm sido acolhidos na Austrália desde dezembro de 2015, inclusive nas áreas regionais de Nova Gales do Sul e Queensland:
Wagga Wagga, Nova Gales do Sul, foi a primeira a receber refugiados Yazidis. Eles foram realojados também em Coffs Harbour e Toowoomba, em Queensland
Disse May Khalil.

“Como resultado do COVID-19 e do bloqueio das fronteiras internacionais, não houve muitas chegadas recentes, mas podemos dizer que há aproximadamente 1.500 a 2.000 Yazidis que até agora foram realojados na Austrália”.

A comunidade Yazidi e a comunidade Curda, em geral, apoiam a entrada dos ucranianos na Austrália, disse Khalil, embora seja necessário oferecer mais apoio para ajudá-los a encontrar a sua estabilidade por cá.

“O principal apoio, eu diria, aquele que deve estar no topo da lista das preocupações, é o apoio à saúde mental, apoio comunitário e apoio do governo traduzido em soluções de acomodação, aprendizagem de idiomas e assim por diante.”




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