Brasileira compartilha sua experiência de transição de gênero na Austrália

Photo of Wendlle

Wendlle identifica prós e contras de transicionar longe de casa, como uma imigrante na Austrália. Source: Wendlle

“Aos meus 16 anos eu precisei sair do armário como um homem gay e, agora aos 32 anos, eu também estou saindo do armário como uma pessoa trans”. No primeiro episódio do podcast 'Traduzindo a Transição', você vai conhecer a brasileira Wendlle, que começou a transição de gênero quase quatro anos atrás na Austrália. “É inspirador, principalmente para as novas gerações, ver pessoas trans ocupando postos de destaque na sociedade. Isso mostra à nossa comunidade que é possível estarmos em todos os lugares, pois nos sentimos representadas.” De maneira franca, aberta e corajosa, Wendlle falou à SBS em Português sobre a relação com a família, o apoio do namorado, a aceitação no ambiente de trabalho e a importância da representatividade trans hoje, na Austrália, no Brasil e no mundo.


'Traduzindo a Transição' é o novo Podcast da SBS em Português, no qual falantes da língua portuguesa compartilham as suas histórias em relação à transição de gênero aqui na Austrália. Os episódios são apresentados em português e em inglês. 

Na primeira história você vai conhecer a brasileira Wendlle Simões, de 32 anos, que nasceu em São Paulo e se mudou para a Austrália há sete anos.

“Aos meus 16 anos eu precisei sair do armário como um homem gay e, agora aos 32 anos, eu também estou saindo do armário como uma pessoa trans”.


Resumo do podcast:

  • Hoje, 31 de março é o Dia Internacional da Visibilidade Trans, criado pelas Nações Unidas, a data destaca a importância de mostrar os desafios que as pessoas trans enfrentam e melhorar sua visibilidade. O Dia também aumenta a conscientização pública sobre as necessidades das pessoas transgênero. 
  • O primeiro episódio da série Traduzindo a Transição, da SBS em Português, mostra a jornada da brasileira Wendlle, que começou a transição de gênero quase quatro anos atrás na Austrália. 
  • Nessa reportagem, Wendlle 'traduz' o seu processo de transição, com o objetivo de esclarecer, desmistificar, e aumentar a representatividade trans na Austrália. 

Iniciar uma transição de gênero pode ser um caminho difícil de percorrer. Mas imagine iniciar este processo em um país em que você não tenha o domínio do idioma ou não compreenda o funcionamento do seu sistema público de saúde. E mesmo que você entenda perfeitamente, as vezes ainda é preciso ficar traduzindo os seus sentimentos para a sua família e amigos

Segundo Mama Alto, a CEO da Transgender Victoria, uma organização que atua em prol da comunidade trans e de gênero diverso desde a década de 90 na Austrália, “quando alguém habita múltiplas marginalidades; como ser uma pessoa trans e imigrante, ela pode vivenciar os estigmas, discriminações e barreiras desses dois fatores ou identidades ao mesmo tempo”.

Leia abaixo alguns dos principais trechos da entrevista com a Wendlle.

A infância 
Wendlle as a child in Brazil wearing a racing car outfit, and now at 32
Wendlle nunca se sentiu confortável na binaridade em que a sociedade tenta colocar as crianças. Source: Wendlle


"Desde pequena eu percebia que tinha algo de diferente comigo, que eu não me encaixava no sexo que eu havia sido designada quando eu nasci. E eu percebia que isso iria mudar algum dia, e que poderia ser para o gênero feminino, pois na verdade, eu me sentia mais feminina."
Desde pequena eu percebia que tinha algo de diferente comigo, que eu não me encaixava no sexo que eu havia sido designada quando eu nasci.
Quem é a Wendlle hoje

"Atualmente eu sei que eu sou uma pessoa trans não-binária. Trans não-binária significa que eu estou transicionando do gênero masculino para o feminino, porém, eu acredito que eu não me encaixo nessa binariedade que a sociedade colocou que você precisa ser ou homem ou mulher. Eu acho que eu estou no meio termo."
Acho que não me encaixo nessa binariedade que a sociedade colocou que você precisa ser ou homem ou mulher.
O processo de transição

"Eu estou transicionando há quase quatro anos. Foi neste período que eu deixei o cabelo crescer, comecei a mudar meu guarda-roupa e passei a usar peças mais femininas."
Wendlle rosto
Na transição Wendlle deixou o cabelo crescer e passou a usar peças mais femininas, além de ter procurado uma psicóloga e um endocrinologista. Source: Wendlle
"No começo da minha transição, o primeiro passo foi procurar uma psicóloga para me ajudar nesse processo, até mesmo para tentar entender como eu gostaria de transicionar. Depois disso, o segundo passo foi procurar um endocrinologista, porque é este o profissional quem determina a quantidade correta de hormônios para eu transicionar de uma maneira segura e saudável. É importante mencionar que todo este processo deve ser feito com acompanhamento médico."
O primeiro passo foi procurar uma psicóloga e depois um endocrinologista. Todo este processo deve ser feito com acompanhamento médico.
Relacionamento com a família

"A minha família ainda não sabe da minha transição. Eles até perguntam sobre o meu cabelo comprido, sobre as feições mais femininas, mas a gente não chegou ainda a ter esta conversa. Mas quem sabe esta reportagem da SBS possa ser uma entrada para abrirmos esta comunicação entre nós. Até porque faz quase 4 anos que eu não vejo a minha família no Brasil devido a situação da pandemia. Então, eles só me acompanharam ao longo desses anos pela tela do celular."

"Aos meus 16 anos eu precisei sair do armário como um homem gay e, agora aos 32 anos, eu estou saindo do armário como uma pessoa trans também."
Minha família ainda não sabe da transição. Eles perguntam sobre o meu cabelo comprido, sobre as feições mais femininas, mas a gente não chegou ainda a ter esta conversa.
Relacionamento amoroso e apoio incondicional

"No momento eu estou num relacionamento de dois anos e meio. O meu namorado me conheceu quando eu já estava transicionando. Ele sempre me ofereceu muito suporte e me apoiou muito desde o início da minha transição, deixando claro que estaria ao meu lado qualquer que fosse a minha decisão no futuro. E eu acho que esse amor é muito importante para quando a gente está transicionando, pois nós precisamos nos sentir amadas, nós precisamos nos sentir apoiadas. Eu agradeço muito por ter ele na minha vida."
Wendlle e namorado
Wendlle conta que o namorado sempre a apoiou muito, desde o início da transição, deixando claro que estaria ao lado dela, qualquer que fosse sua decisão. Source: Wendlle
Realização profissional

"Na parte profissional, eu acho que eu sempre tive muita sorte em conseguir achar empresas que me aceitassem do jeito que eu sou. Tanto que na minha primeira entrevista de trabalho aqui na Austrália, eu fui com as unhas pintadas e estava com roupas femininas. E a empresa me aceitou e me acolheu completamente, porque eles estavam interessados na minha qualificação profissional."
Na minha primeira entrevista de trabalho na Austrália, eu fui com as unhas pintadas e estava com roupas femininas. E a empresa me aceitou e me acolheu completamente.
"Eu também acho muito importante falar para as mulheres trans que sempre haverá empresas que irão te abraçar, pois hoje em dia o mercado de trabalho está muito mais aberto para nos receber e garantir que a diversidade esteja sempre presente no ambiente de trabalho. Infelizmente, ainda existe um estigma de que mulheres trans só terão oportunidades trabalhando como profissionais do sexo, mas isso não é verdade. Não há nada de errado em trabalhar como profissional do sexo, pois esta é uma profissão como outra qualquer, mas eu acho importante mostrarmos que há outras possibilidades para todas nós."

Representatividade e inspiração para as novas gerações

"Eu acho importante abordarmos o tema da diversidade de gênero dentro da mídia e das escolas, incluindo as pessoas trans e não-binárias, para tirarmos essas pessoas da marginalidade. Para nos tirarmos da marginalidade! Precisamos falar cada vez mais abertamente sobre este tema e naturalizarmos a nossa existência dentro da sociedade. Nós temos família, nós temos um parceiro, nós temos amigos, nós temos trabalho, e nós estamos aqui para fazermos parte da sociedade. Nós precisamos ser amadas."
Wendlle e amigas
"Nós temos família, temos um parceiro, temos amigos, temos trabalho, e estamos aqui para fazer parte da sociedade. Nós precisamos ser amadas", afirma Wendlle. Source: Wendlle
"Se eu tivesse a oportunidade de ter lido uma entrevista como essa quando eu era pequena, eu acho que isso teria me ajudado muito para entender quem eu sou. Para compreender o caminho que eu gostaria de seguir e como eu chegaria no que eu sou hoje."

"É muito inspirador ver pessoas trans ocupando lugares de destaque na sociedade, como nas artes, na área da educação e da política. Porque isso mostra para a nossa comunidade que é possível estarmos em todos os lugares, pois nos sentimos representadas, inspirando principalmente as novas gerações."

Wendlle traduzindo a própria transição

"Eu acho que uma dica que eu daria para quem está começando a transicionar agora, é que não existe um único caminho para percorrer. Cada transição é única e você vai fazer ela do seu jeito. Não existe regras, pois você vai estabelecer o que é melhor para você e aonde você quer chegar."
Uma dica que eu daria para quem está começando a transicionar agora, é que não existe um único caminho a percorrer. Cada transição é única e você vai fazer ela do seu jeito.
"Se você quiser fazer cirurgias, você irá fazer cirurgias. Ou não. Se você quiser iniciar hormônios, você irá tomar hormônios. Ou não. E isso não é o essencial. O essencial é o que está dentro de nós. E saiba também que não existe nada de errado com você. Errada está a sociedade que pratica o preconceito e a intolerância contra nós. Mas estamos aqui para mudar isso, junto com as novas gerações. Então, se cerque de energias boas, de pessoas que te amam e seja feliz."

Uma pessoa transgênero é aquela que não se identifica com o gênero que lhe foi atribuído no início da sua vida. Enquanto uma pessoa cisgênero é aquela que se identifica com o sexo que lhe foi designado no seu nascimento. Já uma pessoa não-binária, é aquela que não se identifica nem com o masculino e nem com o feminino, pois ela percebe que a binaridade de gênero (homem ou mulher) não representa a sua identidade.

'Traduzindo a Transição' é uma série em três episódios da SBS em Português disponível em português e em inglês.

Para ouvir o podcast completo deste episódio em português é só clicar na imagem no botão play da imagem que abre este artigo.

Se quiser ouvir em inglês, clique .

Você também pode assistir ao vídeo com a história da Wendlle: 
Siga 'Traduzindo a Transição' no , , ou no aplicativo da Rádio SBS.

Produzido Felippe Canale para a SBS em Português
Vídeos e fotos Marlon Moro
Artigo online Mariana Gotardo  
Arte da série Oliver Vincent Reyes, Vincent Art & Designs


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