"Vi o aluno se tornar um produto"

Debora Komukai

Debora Komukai:"A escola parecia um lugar ideal para aprender, mas era tudo uma farsa.” Source: Supplied

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A jornalista e profissional de marketing Debora Komukai estava na Austrália com um visto de estudante em busca de um emprego de meio período, quando viu o anúncio para ‘Produtor de Conteúdo’ da escola de culinária e hospitalidade Ad Astra, de Melbourne. Ela falou à SBS, de São Paulo.


Ad Astra Institute foi considerada insolvente pela Autoridade Australiana do Controle de Qualidade do Setor de Treinamento Vocacional  (ASQA) e foi fechada em agosto de 2019. Representantes da ASQA, Serviço de Proteção ao Ensino (TPS) e Departamento de Assuntos Domésticos informaram a decisão em uma assembleia para quase 200 estudantes e funcionários.

Nesta série de reportagens, a SBS em Português vai mostrar como uma instituição de ensino australiana conseguiu vender uma ideia – de escola inovadora e ensino de primeira qualidade – e atrair estudantes de diversas partes do mundo para salas de aula ainda em construção.
Chef preparing dish in kitchen
Source: Getty Images
Quando Debora foi chamada para a entrevista de emprego para trabalhar na Ad Astra, e recorda que achou  o processo de recrutamento, que contou com várias etapas, bastante seletivo.  

“Tivemos três entrevistas, o processo seletivo, o ambiente professional, tudo me passou credibilidade, um material visual extraordinário, me mostraram a idéia dessa incrível cozinha sustentável com desperdício zero, o restaurante da escola, algo fora deste mundo, tinha tudo para ser uma grande escola. Entrei lá para trabalhar.”

Debora trabalhou na Ad Astra por apenas dois meses, de setembro a outubro de 2018.

Debora disse à SBS Portuguese que logo no início recorda ter notado que havia algo que não estava certo. A ausência de cozinha e restaurante-escola de última geração foi uma ‘bandeira vermelha’.

"Eles nos explicaram que a cozinha estava demorando para ficar pronta porque não era só uma cozinha industrial de uma escola qualquer e que levaria tempo para ser construída conforme o planejado. Mais tarde eu saberia que essa cozinha jamais seria contruída."

Food Safety
Source: Pixabay
Debora disse à SBS em Português que parte do telhado da cozinha usada pelos funcionários e alunos [como refeitório] caiu, as paredes tinham buracos e quando o teto caiu, os estudantes foram colocados em férias compulsórias.

Debora se lembra de um funcionário que entrou na escola e pegou um iPad no escritório. Ela testemunhou a polícia entrando no local para investigar o assalto. “Ele tinha família, tudo foi muito triste. Não sei quanto dinheiro deviam para ele.”

Debora disse à SBS em Português que o salário dela estava sempre atrasado.

“Comecei a ir à escola não para trabalhar, mas para pedir meu salário.”

Ela lembra que estava tão estressada com tudo que ficou doente e teve que ir ao hospital.

“Foi tudo tão difícil para mim, eu era uma estudante, uma garota, sem família [na Austrália], fiquei literalmente assustada com o que eles poderiam fazer comigo. E eu tive que bater na porta deles, conversar com eles, discutir, tudo em inglês. Eu não conhecia meus direitos. É difícil quando você é imigrante em um país estrangeiro. ”

Debora disse à SBS em Português que a gota d'água veio quando ela organizou um vídeo promocional para uma das empresas parceiras da Ad Astra, e que teve que pagar pelo trabalho com seu próprio dinheiro.

“Os fornecedores vieram atrás de mim pensando que fui eu quem não estava pagando. Foi surreal,” disse à SBS em Português.
Unrecognizable people at a restaurant cooking meals
Unrecognizable people at a restaurant cooking meals and each person working on different things Source: Getty Images
Debora procurou apoio da West Justice, um escritório de advocacia da Study Melbourne que fornece consultoria jurídica gratuita aos estudantes e levou a empresa ao Tribunal Civil e Administrativo de Victoria, mas optou por não prosseguir com o processo, retornando ao Brasil.

“Recebi um salário, mas eles me deviam AU$1.250 dólares. Eu tinha medo de reivindicá-lo. Comecei o processo civil, mas tive que abandoná-la e voltei para o Brasil. Eu vi esse ciclo entre a escola internacional e o VET * (Vocational Education and Training). Eu vi o aluno se tornando um produto. Sinto muito por eles.”

Debora dá um conselho aos alunos que procuram uma escola para se matricular.

“Vi alunos com medo de expressarem suas preocupações, se humilhando. Eu tenho apenas uma mensagem para eles: não tenham medo. Somos estudantes, imigrantes, mas lembre-se de que você tem seus direitos, não estamos em nosso país, mas temos direitos e continuamos sendo humanos. Nós temos voz.”

Debora disse à SBS em Português que espera que o dono do Ad Astra seja levado à justiça. “Espero que todas essas pessoas que foram humilhadas e prejudicadas pelos proprietários encontrem justiça. A escola parecia um lugar ideal para aprender, mas era tudo uma farsa. ”

* O Vocational Education and Training (VET) na Austrália permite que os alunos obtenham qualificações para conseguir um emprego. Os cursos VET são oferecidos principalmente por organizações de treinamento registradas (RTOs), como o Instituto Ad Astra antes de ser liquidado e ter seu RTO cancelado.

O Departmento de Assuntos Domésticos (DFAT) tem informações disponíveis para os alunos afetados pelo fechamento de uma escola ou provedor de ensino que pode ser acessado aqui .

 oferece informações sobre reembolso e auxilia estudantes a encontrarem uma nova escola.

Informações gerais sobre o Programa de Visto de Estudante podem ser encontradas no  que mostra opções de visto para estudar na Austrália.

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