Austrália deporta Djokovic para manter a ‘ordem e saúde pública’ do país: entenda o caso

Novak Djokovic leaves the Park Hotel in Melbourne on 16 January, 2022.

Novak Djokovic leaves the Park Hotel in Melbourne on 16 January, 2022. Source: AAP

Ao cancelar o visto de Djokovic, o raciocínio do ministro Alex Hawke se baseou na preocupação de que o número um do tênis pudesse se tornar um “ícone” do movimento anti-vacina na Austrália, analisou o advogado da imigração, David Prince, em entrevista ao The Age. O governo abandonou a estratégia inicial de que Djokovic mentiu no formulário de viagem, e cancelou o visto porque o tenista número um do mundo poderia ser uma ameaça à “saúde pública e boa ordem” do país.


Foram 11 dias onde o noticiário australiano e mundial foram consumidos pela saga ‘Novak Djokovic’ e sua briga com o governo da Austrália para ficar no país e competir em um dos mais prestigiados Grand Slams do mundo.

Como pano de fundo dessa briga, a cidade de Melbourne – que resistiu a um dos mais longos confinamentos da Covid 19 já registrados no mundo, e a Austrália, um país conhecido por suas duras políticas de fronteira e agora lutando contra um surto da Ômicron.

Junta-se a esse cenário, o super atleta Novak Djokovic, que veio buscar bater seu próprio recorde e ganhar seu 10º título só do Aberto de Tênis da Austrália.
Novak Djokovic lascia il Park Hotel Melbourne
Djokovic disse que respeitou a decisão do tribunal mas que estava “profundamente decepcionado” Source: AAP
Mas assim que pisou ‘down under’, antes mesmo de deixar o aeroporto, os problemas começaram.

A polícia federal entendeu que não poderia deixar a estrela do tênis mundial entrar no país sem  documentos que justicassem a sua não vacinação para a Covid19 e o transferiu imediatamente para um hotel de detenção de refugiados.

Seguiram-se 11 dias de de protestos, investigações, audiência no tribunal [que lhe deu ganho de causa], até que finalmente a Justiça Federal rejeitou a segunda contestação judicial à sua deportação a três dias do início do torneio.

O ministro baseou sua decisão em prol da “saúde pública e da boa ordem”

Em um comunicado, minutos após a decisão, Djokovic disse que respeitou a decisão do tribunal mas que estava “extremamente decepcionado”.

“Estou desconfortável que o foco das últimas semanas tenha sido sobre mim e espero que agora todos possam se concentrar no jogo e no torneio que amo”, disse ele, desejando a todos boa sorte no torneio e agradecendo àqueles que o apoiaram. “Vocês têm sido uma grande fonte de força para mim.”
Immigration Minister Alex Hawke (L) and tennis player Novak Djokovic (R).
Immigration Minister Alex Hawke (L) and tennis player Novak Djokovic (R). Source: SBS News
Mas o que aconteu no tribunal de justiça?

Quando Djokovic saiu da detenção de imigração em 10 de janeiro, tendo conseguido anular o primeiro cancelamento de seu visto na fronteira pelos funcionários da imigração, ainda havia outro problema.

O ministro da Imigração, Alex Hawke, tem amplos poderes para intervir nos casos em que acredita que há motivos legais para cancelar um visto.

Quando o caso de Djokovic foi levado à mesa do ministro, ele considerou dois motivos principais pelos quais poderia cancelar o visto do tenista de acordo com a lei australiana:

– cancelar o visto porque Djokovic teria fornecido informações falsas sobre seu visto ou cartão de passageiro,

– ou cancelar o visto com base no raciocínio de que o tenista poderia representar um risco para a saúde pública, segurança ou ordem da Austrália.

De maneira surpreendente Alex Hawke escolheu a segunda opção – abandonando o argumento do governo de que Djokovic não tinha uma isenção médica válida para entrar na Austrália sem estar vacinado.

Em vez disso, o ministro argumentou que a presença de Djokovic aqui durante as duas semanas do Open, como um anti-vacina negacionista, poderia colocar vidas e a ordem civil em risco, estimulando o sentimento anti-vacina e o desrespeito às regras da COVID-19.

Ao cancelar o visto de Djokovic, o raciocínio do ministro se baseou na preocupação de que o número um do tênis pudesse se tornar um “ícone” do movimento anti-vacina na Austrália, analisou o advogado da imigração David Prince.

Prince falou ao portal The Age que existem os comentários públicos anteriores de Djokovic de que não queria ser forçado a ser vacinado, bem como ter ignorado regras de isolamento após ter sido supostamente infectado por Covid 19 na Sérvia.
Spectators are seen walking past a picture of Novak Djokovic on Day 1 of the Australian Open Tennis Tournament at Melbourne Park
Fãs do tênis caminham pelo Melbourne Park em meio aos murais de Djokovic usados para a promoção do torneio Source: AAP
Qual foi a defesa de Djokovic?

Dado que os poderes do ministro são tão amplos, a equipe jurídica de Djokovic teve pouco espaço para argumentar sobre o mérito da decisão em si.

Em vez disso, os advogados de Djokvovic tiveram que mostrar que o ministro havia cometido um erro em sua aplicação da lei ou em seu raciocínio para tomar a decisão que tomou.

A equipe Djokovic argumentou que o raciocínio de Hawke era ilógico e irracional porque o ministro não tinha evidências para concluir que a presença de Djokovic na Austrália fomentaria o sentimento anti-vax ou que Djokovic até tinha uma opinião forte contra a vacinação.

Eles argumentaram que o ministro havia citado apenas um artigo da BBC fazendo referência a uma entrevista do início de 2020 como evidência das visões antivacinação de Djokovic.

O ministro mencionou o artigo onde Djokovic afirma que “não queria ser obrigado a tomar uma vacina”.

Os advogados da defesa disseram que o Ministro ignorou outros esclarecimentos feitos pelo jogador referenciados no mesmo artigo, incluindo que estava de mente aberta e que “não é especialista” no assunto.

O advogado principal do atleta, Nick Wood SC argumentou que Djokovic jogou em torneios em todo o mundo sem incitar protestos, inclusive após os comentários de abril de 2020 nos quais o ministro se baseou.

“Em vez disso, os protestos que explodiram na Austrália nesta semana foram contra as próprias ações do governo para cancelar seu visto”, disse Wood.
Federal Court  Chief Justice James Allsop
O juiz James Allsop manteve a decisão do ministro Alex Hawke como legal Source: SBS
Qual foi o veredito?

O juiz James Allsop anunciou na noite de domingo que o tribunal manteve a decisão do ministro Alex Hawke como legal, indeferindo o pedido de Djokovic e condenando-o a pagar os custos do processo.

Djokovic banido por três anos?

Um cancelamento de visto sob o poder pessoal do ministro vem com uma proibição automática de três anos de entrada na Austrália. Mas isso pode ser dispensado se alguém solicitar um visto antecipadamente (digamos, para o torneio do próximo ano) e apresentar um argumento convincente.

E o primeiro-ministro Scott Morrison disse na segunda-feira que o número um do mundo pode retornar mais cedo “nas circunstâncias certas e que isso será considerado no momento em que a aplicação do visto for feita”.


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