A vacina está perto, mas o vírus segue ainda mais

Talvez nunca a Europa tenha dado uma tão determinada resposta federal – como entidade única, ao garantir a vacina a todos os estados participantes.

Talvez nunca a Europa tenha dado uma tão determinada resposta federal – como entidade única, ao garantir a vacina a todos os estados participantes. Source: AP

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Other ways to listen

É preciso que as notícias sobre a vacina próxima não levem ao relaxamento, como o que aconteceu no tempo quente de praia em Portugal


O belga Peter Piot, formado em medicina, doutor em microbiologia, estratego em políticas de saúde pública. A vida deste grandalhão de Lovaina, agora com 71 anos, donfunde-se com a luta contra os vírus. Integrou a equipa que descobriu, identificou e primeiro desencadeou o combate ao ébola.

Depois, liderou, no mundo, a luta contra o vírus HIV e a sida. ficou mesmo conhecido como o Dr. ONUSIDA. Liderou por 15 anos o programa comum das Nações Unidas contra a SIDA. Tem várias passagens por Portugal: foi, por exemplo, cabeça de cartaz em 2001 numa fértil conferência internacional sobre o combate ao vírus, promovida em Lisboa pelo então presidente Jorge Sampaio.

Impressionou, então, numa riquíssima conversa, o modo intenso como ele se interessa e liga ciência com saúde, pessoas e sociedade, países desenvolvidos e países pobres.

Ele está sempre a anotar num caderninho, agora certamente digital, aquilo que escuta e observa.

Peter Piot, sábio em vírus, clama agora o que assume como um erro dele no principio deste ano: subestimou este novo coronovírus.
No final de março, foi apanhado pelo SARS-CoV-2. É um caso de caçador caçado. Julga que foi contagiado a meio de março numa reunião da Escola de Higiene e Medicina Tropical do Reino Unido, que dirige.

Na manhã de 19 de março, acordou com uma forte dor de cabeça e sintomas que pareciam de gripe. Ele nunca tinha tido problemas de saúde.

Ao meio-dia, a febre tinha disparado, a testa ardia em febre e as dores musculares começavam a ser insuportáveis.

O microbiologista percebeu que era a Covid-19. Foi hospitalizado nessa mesma tarde. Ao ver a imagem dos pulmões, observou como estavam opacos, tomados pelo vírus. Passou 8 dias e 8 noites em cuidados intensivos, ligado a um ventilador, a lutar para não perder a vida 

Fala de sofrimento desesperante. Conta que sentia que o vírus estava a atacar não só os pulmões, mas, e de modo agressivo, doloroso, cada uma das células do corpo dele.

Foi salvo, recuperou-se. Veio a ter alta em 19 de abril, mas, 7 meses depois, conta que ainda sente fragilidade física e emocional. E a fadiga, que antes não tinha.

Admite que o facto de nos últimos anos caminhar muito o ajudou a recuperar-se mas receia ter ficado com problemas crónicos de saúde.

Piot retomou a direção da escola de saúde pública em Londres, e o médico e investigador que também foi doente aceitou o convite pessoal de Ursula von der Leyen para conselheiro especial da presidente da Comissão Europeia para a SARS-CoV-2.

Piot reconhece a vantagem de, sendo especialista em vírus, agora também conhecer o vírus porque esteve dentro dele.

Está preocupado pelo facto de alguns que se consideram assintomáticos menosprezarem o vírus, mas passarem a sofrer de afeções crónicas que só mais tarde vão impor-se.

.Piot constata, exultante, a colaboração cientifica sem precedentes na procura da vacina.

As vacinas vão chegar e vão ajudar muito a controlar a pandemia. Mas ele previne, para que não haja excessos de confiança: não se confie logo em eficácia a 100%.

É preciso que as noticias sobre a vacina próxima não levem ao relaxamento, como o que aconteceu no tempo quente de praia.

Há pela frente uma perspetiva de esperança. É como se estivéssemos de luz apagada, e agora, vislumbrou-se uma luzinha. Mas não é ainda tempo para fazer planos. A pandemia está ainda para produzir muitos milhares de mortes. E der por onde der, vai ser necessária a mudança radical de comportamento de cada um de nós no dia a dia em relação aos hábitos de antes do vírus.

Os impactos estão a ser – e vão ser – tremendos. É preciso tentarmos contrariar o abatimento geral pessoal e coletivo. Há um facto a celebrar: a União Europeia, tantas vezes tão criticada, desta vez, através da comissão, está a agir determinada, compacta, eficaz. A mostrar o peso politico da Europa e a garantir a vacina (quando ela existir) ao mesmo tempo para todos os estados da União.

Talvez nunca a Europa tenha dado uma tão determinada resposta federal, como entidade única supranacional.

Enfim, a vacina começa a parecer mais perto de chegar. Mas o virus, esse está muito mais perto. Anda por aí. Seria uma lástima se afrouxássemos o cuidado que tem de ser reforçado.

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